Afrobeat é a combinação de rítmos tradicionais da Nigéria ao jazz, funk e soul. Com o passar dos anos o estilo cruzou mares e ganhou adeptos em todo o mundo, as vezes se distanciando da sua marca original: misturar toques e melodias tradicionais de maneira sempre inusitada, com letras de protesto irônicas que se opõem ao colonialismo europeu exaltando a cultura africana, em especial a de matriz Iorubá. Andando por aí já me decepcionei indo ver banda de Afrobeat que nem de longe lembrava a riqueza do som inventado por Fela Kuti e seus companheiros. Nos anos 80, quando Gilberto Gil embalou o Brasil e o mundo ao som de Toda menina baiana, os músicos entre si chamavam aquele estilo de Ijexá fanqueado ou simplesmente Axé, para diferencia-lo do Ijexá tradicional tocado nas ruas de Salvador pelos afoxés. A faixa (Toda menina baiana) que é do disco Realce, tem ainda as palmas típicas do Samba de roda do recôncavo baiano e um piano rhodes sutil; pura elegância. A gente, ao contrário dos músicos, nem pensava no nome da mistura – seguia feliz o toque do agogô, rua acima.
Nos Estados Unidos e principalmente na Europa onde muitas estrelas da música africana têm carreiras de sucesso, o uso do termo inglês Afrobeat (literalmente batida africana) faz sentido. Além de emblema da luta identitária emcampada por Fela Anikulapo Kuti, é a maneira mais direta de caracterizar uma música moderna que vem da África; o que simplifica a divulgação de seus artistas no mercado internacional. No Brasil, especialmente em Salvador – maior cidade negra fora do continente africano – a palavra Afrobeat parece se referir a algo externo e distante que de repente virou moda. Como se a faixa do vinil da história arranhasse e pulasse pra hoje. Afrobeat é [também] Ijexá. Ijexá que, antes de ser um ritmo, é o nome de uma cidade do sudoeste da Nigéria (Ilesa) situada no estado Osun, região de onde vieram muitos de nossos ancestrais. Vem de lá e de estados vizinhos o ritmo do Afoxé Filhos de Gandhi, assim como a música do mestre nigeriano Fela Anikulapo Kuti. Através de Fela, a tradição musical dos Iorubás entrou no século XX pela porta da vanguarda.
Descobrir que minhas duas paixões – o ritmo da paz e a música de Fela Kuti – fluem da mesma fonte é como se algo dentro de mim se ampliasse para além mar, uma sensação de liberdade. No ritual do Candomblé o Ijexá é o ritmo tocado para as divindades Oxalá e Oxum. É envolvente, maternal, contínuo e, segundo muitos artistas baianos – como o saudoso Vevé Calazans, parceiro de Gerônimo no hit É D’Oxum – o rítmo mais bem aceito internacionalmente, aquele que todo mundo dança pois todo mundo entende. Certa feita ao me apresentar na Alemanha constatei o que dizia Vevé. Ijexá é um princípio. Mas depois de renascer na Bahia e se espalhar pelo mundo, o ritmo da paz foi sumindo do universo Pop brasileiro, perdendo lugar para outros mais anfetamínicos. Ultimamente,


vendo tantos grupos inflamados pela febre do Afrobeat nas metrópoles e festivais de World Music mundo afora, me pergunto o que aconteceu com o jeito baiano de tocar Ijexá e imagino uma infinidade de combinações ainda por acontecer com esse rÍtmo que parece marcar o próprio tempo.
Mr. Follow Follow / Fela Kuti /Gravado nos anos 70.Publicado em 1986/ Celuloid Records http://www.youtube.com/watch?v=xsToGea4MWI&feature=related
Filhos de Gandhi, concentração na sede do Afoxé em 2010 http://www.youtube.com/watch?v=OICun5i_JBk&feature=related
4 Comentários
Muito bom o ijexá, muito bom toda a nossa cultura. Prabéns pelo recorte. Precisamos de mais esquisa e discussão sobre a origem e continuidade da batida africana no nosso país. Precisamos conhecer os que realmente são afrobeat.
Abraço.
Cara Mariella,
A muito pesquiso as influências das nossas origens de matriz africana e gostei muito da sua abordagem, partindo da presença de um ritmo e seus desdobramentos estéticos e geográficos. Tenho certeza que esses assuntos precisam ser discutidos para melhor informar a todos sobre as nossas origens. Já temos a cultura afrobrasileira nos currículos, mas as ações e aprofundamento dos temas ainda deixa muito a desejar, se comparamos com o estudo das cultura européia.
Mariella, já sou sua fã a muito tempo e fico super feliz de poder saber mais das suas idéias sobre arte e cultura.
Parabéns, não sabia que você tinha toda essa veia pesquisadora, que vai além da sua música, mas que também se percebe no seu som.
Asé!
Parabenizo a ilustre cantora e jornalista, pelo exposto em seu texto muito importante para efetiva informação e conhecimento no tratar das culturas africanas na diaspora. Existe por aí um inverdade a respeito das culturas africanas e suas origens, quando não as deturpam, ou as descaraterizam. Bem o que se vê e ouve por aí são as obviedades atropelando o processo cultural originário, mas ainda bem que temos dispositivos e formas de contrapor, através de meios bem vindos e articulados como este brilhante informativo.