
“O que aconteceu aqui hoje é um momento histórico e ímpar. Shoppings são, por si só, espaços de poder ocupado por uma maioria branca. Ver essa livraria tomada por mulheres e homens negros é muito significativo para nós pretos que aqui trabalhamos todos os dias. Isso é representatividade”, exclama a estudante de Humanidades da Universidade Federal da Bahia Marília da Hora, referindo-se ao evento realizado no Salvador Shopping para celebrar o Mês da Consciência Negra.
A iniciativa ocorreu nesta terça-feira (22) e reuniu artistas e intelectuais negros que se destacam no cenário atual pelo engajamento no debate acerca da invisibilidade enfrentada por pretas e pretos no Brasil.
“A falta de representatividade se dá em todos os espaços porque o racismo é estruturante. Mesmo depois de tudo que nossos ancestrais sofreram, a gente ainda precisa ficar explicando por que representatividade importa”, declara a filósofa Djamila Ribeiro, colunista do site Carta Capital e do blog da editora Boitempo, atualmente secretária adjunta da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.
Durante o bate-papo, Djamila Ribeiro também chamou a atenção para as questões femininas. “É difícil ser mulher negra nessa sociedade. A construção de que precisamos sermos fortes o tempo todo serve, entre outros coisas, para negar a nossa fragilidade, afetividade e subjetividades. Por isso, precisamos nos cuidar porque essa negação nos adoece”, alerta a ativista social.
Este alerta, para a cabeleireira e vendedora Marília Aragão, foi fundamental para a compreensão e importância da sororidade entre as mulheres negras. “Promover a representatividade é também ajudar a empoderar as irmãs, principalmente acolher. E isso aconteceu aqui hoje: fomos acolhidas”, pontua.
Responsável pela curadoria do evento, Ilka Danusa conta que quando foi convidada para liderar a iniciativa a maior preocupação dos organizadores era que a programação buscasse valorizar a identidade negra sem recair na perpetuação de estereótipos e preconceitos.
“A parceria deu certo. O evento foi um sucesso. Ontem tivemos aproximadamente 150 pessoas para um evento a tarde, numa segunda-feira, após Dia da Consciência Negra. Hoje também tivemos esse quantitativo. Esperamos que em 2017 tenhamos ainda mais inovação e que a proposta de possibilitar uma programação com conteúdo seja absorvida também por outros espaços. ”, revela a comunicóloga, co-fundadora do Instituto de Mídia Étnica.
Os idealizadores do projeto carioca Identidades a produtora Noemia Oliveira e o ator Orlando Caldeira também participaram do debate. A exposição fotográfica traz ícones populares originalmente brancos representados por pessoas negras. “O projeto surgiu por conta das nossas vivências pessoais e sociais nas quais a cor da nossa pele é colocada como um fator limitador. É o ‘sim’ que a gente está dizendo depois de tantos ‘nãos’ que a vida veio nos dizendo. É possível sim ter uma princesa com cabelo crespo”, diz Noemia Oliveira.
A influenciadora digital baiana Monique Evelle, fundadora da Desabafo Social, mediou a mesa de discussões. “Mais que representatividade, esta ação traz a questão de ser proporcional, pois é realizado com pessoas especializadas. É uma contra narrativa para aquilo que acontece em espaços como este que são de poder”, considera.
Ontem (21), a programação recebeu a dermatologista carioca Katleen Conceição, especialista em pele negra e a antropóloga baiana Naira Gomes, da Marcha do Empoderamento Crespo Bahia que discutiram o tema “Mulher Negra, Estética e Empoderamento”. A mediação ficou conta da jornalista Jamile Menezes, diretora da Ayo Comunicação e do SoteroPreta, primeiro portal de notícias exclusivo sobre cultura negra em Salvador.

O evento contou ainda com curso de Automaquiagem com as maquiadoras Karoline Lima e Cláudia Isabele, da Afromake, além de uma Oficina de Turbantes, sob o comando da estilista Dete Lima,diretora e uma das fundadoras do bloco afro Ilê Aiyê, e de Catarina Lima, historiadora e especialista em estudos étnicos e raciais. A exposição Sou Negro, Sou Índio, Sou Branco, Sou Brasil também integra a programação e pode ser conferida entre os dias 21 e 30 de novembro, no piso L2 do Salvador Shopping (próximo à loja Oakley).

Donminique Azevedo é repórter do Portal Correio Nagô
*Foto imagem destacada: Rogério Abreu