Texto: Donminique Azevedo
Fotos: Rosalvo Neto
Desde que cruzamos o Atlântico para cá, viver é o maior desafio. Negros dramas são e foram encravados nas peles pretas. Ainda vivemos entre o sonho do sucesso e a lama.
E, nesse vácuo violento no qual fomos jogados, artistas como os Racionais MC’s representam muito mais que música para ouvidos ávidos por rimas. São vozes periféricas que comunicam aquilo que não se notícia da ponte pra lá.
Em passagem por Salvador no último domingo (18), o grupo lotou a Concha Acústica do Teatro Alves. A banda de rap mais emblemática do Brasil possui mais de duas décadas visibilizando narrativas do ponto de vista da periferia, para além da estética da fome.
Em uníssono coral, manos e manas cantaram do início ao fim do show. “Cantar MC’s Racionais é colocar para fora as minhas dores, as dores da minha comunidade”, explica Jair Santos, revelando que sua música preferida é Diário de um detento. Sorrindo finaliza: “Mas quem vai acreditar no meu depoimento?”.
Fã da banda há 20 anos, o professor de Educação Física Fábio Santos conta que a afinidade está diretamente ligada à realidade relatada nas letras. “É a história da favela presente no ritmo e poesia da banda. Tem a ver com as nossas histórias”.
“Infelizmente a banda é ainda é vista, por uma sociedade elitista e burguesa, como marginal. No entanto, Racionais MC’s é uma música feita de preto para pretos. Isso incomoda, pois pela primeira vez os problemas da periferia vieram à tona nessa perspectiva”, considera a jovem atriz Amanda Rosa, que conheceu a obra do grupo em um acampamento do Levante Popular da Juventude.
“Racionais além de ter sido o início, hoje é continuidade acerca da nossa consciência negra. Por isso, fiz questão de trazer meu primo de 17 anos para conhecer, afinal as músicas retratam como o preto é condicionado a viver nesta sociedade”, acrescenta Djavan Benin, que se descreve como africano em diáspora.
O show de abertura ficou por conta da banda Nova Era, que aproveitou para gravar clipe da música “Vai Cair”.
CORES E VALORES
Durante a apresentação, Mano Brown falou da situação política e financeira do País. “Colocaram os golpistas no poder. Eles vão querer voltar à época da escravidão. Querem que a gente volte a plantar cana, algodão”, pontua o cantor, que relatou dificuldade para realizar o show em Salvador, pois sua mãe estava com problemas de saúde.
Dona Ana Soares, mãe do rapper, morreu nesta segunda-feira (19). O anúncio foi feito na página oficial do grupo no Facebook: “deixamos nossas mais sinceras condolências ao irmão Mano Brown”.
TRANSMISSÃO CANCELADA
A TVE e a Rádio Educadora FM, em nota, informaram que por opção do grupo Racionais o show não foi transmitido, como estava previsto o show na Concha Acústica. De acordo com a empresária do grupo, Eliane Dias, “por motivos pessoais, um problema de saúde, o Racionais resolveu não transmitir, não levar essa energia pra frente”, disse Eliana, que complementou: “eles farão o show para cumprir o contrato, para cumprir o compromisso com o público, mas transmitir desta vez não vai dar. Faremos isso numa próxima vez”, afirmou a empresária.
